- A decisão recente do STJ de impedir a compra de palavras associadas a concorrentes acabou por enfraquecer uma prática muito comum entre os agentes do mercado de mídia: a defesa de marca. Essa prática consistia na compra de palavras associadas às próprias empresas, impedindo que concorrentes a adquiram.
- A defesa de marca era motivada por incentivos econômicos do mercado de mídia. Ela pode ser explicada, teoricamente, utilizando a teoria dos jogos, um framework metodológico que modela matematicamente agentes em um ambiente competitivo. No modelo simplificado proposto no texto, é verificável que há incentivos para empresas realizarem a defesa de marca, mesmo que acabe gastando mais dinheiro do que o necessário (o que representa um equilíbrio ineficiente).
- Mesmo que o ato da defesa de marca tenha se tornado obsoleto, discutimos que ainda há benefícios na compra de palavras associadas à empresa. Seja para se defender de sites mal intencionados e criminosos, seja para direcionar os potenciais clientes a etapas mais avançadas do funil de conversão. No entanto, a depender da metodologia da mensuração do resultado desse investimento, esta pode ser inflada e enviesada positivamente.
Introdução
Em agosto de 2022, a 4a turma do STJ decidiu que a compra de links patrocinados com palavras-chave no mercado de tráfego-pago de uma empresa concorrente configura desvio de clientela, incorrendo em concorrência desleal. Essa decisão decretou o enfraquecimento de uma prática típica desse tipo de mercado: a defesa de marca. No contexto de mídias de search, a defesa de marca é quando uma empresa adquire termos e palavras associadas a ela própria. Em outras palavras, é quando uma empresa compra a palavra de seu próprio nome e outros termos altamente relacionados ao branding da empresa em um dos veículos que fornecem esse tipo de serviço de mídia (como o Keywords, do Google).
Essa prática existe, dentre outros fatores, por conta da interação entre empresas concorrentes no mercado de mídia. Suponha que “Unc” e “Over” são empresas concorrentes. Se a empresa “Unc” não comprar suas próprias palavras nas plataformas, sua concorrente, a empresa “Over”, poderá dominar o direcionamento do primeiro link associado às pesquisas da concorrente - na tentativa de “roubar” buscas. Por essa possibilidade, a empresa “Unc” faria compras de palavras com a “defesa de marca” na mente. No entanto, pelo fato da “Over” não poder mais comprar termos associados à “Unc” por conta da decisão do STJ, essa estratégia se tornou obsoleta.
A decisão agiu por consertar uma falha de mercado - situações em que há alocação ineficiente de recursos. Isso se dá pelo fato de, num contexto de interação entre empresas em que há a possibilidade de adquirir palavras de um concorrente, o investimento em defesa de marca pode ser superior a um ponto ideal. Isso significa que as empresas investiriam para além de um ponto em que há bom retorno do investimento - gerando sobre-investimento em produtos de mídia pouco rentáveis.
Vale dizer, entretanto, que a prática de compra de termos associados à própria marca continua ocorrendo, mesmo com essa proibição. Isso se dá por conta, justamente, de outras vantagens que esse tipo de estratégia pode trazer para um portfólio de mídia. Discutimos essas vantagens na terceira seção deste texto.
O que motiva a defesa de marca?
Como explicado anteriormente, a defesa de marca é realizada pelas empresas por conta de incentivos gerados pela relação com as concorrentes. Na ciência econômica, para explicar essa situação de interação estratégica entre dois ou mais agentes, utilizamos a Teoria dos Jogos - um framework de modelagem teórica dessas situações.
No caso da defesa de marca, podemos criar um modelo simples para explicar a interação das empresas “Unc” e “Over”. Considere que ambas as empresas podem ou não fazer defesa de marca. Considere também que o retorno da defesa de marca é dado por um valor hipotético de 10 reais - um valor que está intrinsecamente associado a ser o primeiro link que aparece quando se pesquisa um termo. Considere também que o custo de fazer a defesa de marca é dado por 3 reais.
As hipóteses para o modelo são que quando uma empresa faz a defesa de marca (ou compra palavras associadas à concorrente), ela necessariamente gasta 3 reais. Além disso, há uma questão de exclusividade: uma empresa só pode comprar as palavras de sua concorrente caso elas não tenham sido compradas ainda - se a concorrente não comprou, ela aproveitará a oportunidade e comprará os termos.
A “Unc” e a “Over” enfrentam a seguinte situação, portanto:
Quando não se faz defesa de marca, as empresas ganham 10 (naturalmente aparecem como primeiro link na busca pela marca). Quando se faz defesa de marca, se pode ter dois possíveis resultados: caso a outra empresa defenda também, o ganho é de 10 - 3 = 7; do contrário, o ganho é de 10 - 3 + 10 - 3 = 14 (a empresa compra os termos de sua própria defesa de marca e os termos da concorrente).
Ambas as empresas passam pela mesma decisão (chamamos isso de um problema simétrico), então vou tratá-las de maneira idêntica. Num cenário em que sua concorrente não defende, seus potenciais retornos são: 10 - 3 + 10 - 3 = 14, caso defenda a marca; 10 caso não defenda a marca. Como 10 - 3 + 10 - 3 = 14 > 10, ou seja, a empresa defenderá a marca. Já no cenário em que a concorrente defende, seus potenciais retornos são: 10 - 3 = 7, caso defenda a marca e 0 caso não defenda a marca. Por hipótese, 10 - 3 = 7 > 0, ou seja, a empresa também defenderá a marca.
Note que em ambos os cenários, há a defesa de marca. As empresas têm incentivo para fazer a defesa - com nenhum incentivo a deixar de defender. Isso caracteriza, em Teoria dos Jogos, um Equilíbrio de Nash. Um equilíbrio, nesse sentido, é uma situação em que nenhum agente ganha ao mudar de estratégia - com todos os outros agentes envolvidos mantendo suas estratégias atuais.
No entanto, apesar da situação em que ambos defendem se caracterizar como um Equilíbrio de Nash, temos que esse equilíbrio é ineficiente. Isso significa que é possível melhorar ambas as empresas sem piorar nenhuma delas (indo para o caso em que ninguém defende a marca). No entanto, essa situação eficiente não se caracterizaria como equilíbrio - haveria incentivo para ambas as empresas “desviarem” e comprarem termos associados à concorrência. Essa “falha de mercado” gera gastos excessivos em mídia - daí a ineficiência. A decisão do STJ de proibir a compra de termos da concorrência, mencionada acima no texto, serviu para corrigir essa falha de mercado.
Efeitos e discussões da decisão do STJ
A decisão do STJ de barrar a compra de termos de concorrentes agiu de modo a corrigir uma falha de mercado - na situação em que a prática fosse permitida, empresas gastariam para além do ótimo/eficiente. Vale dizer que, nesse caso, sem a intervenção estatal, esse problema não se resolveria sozinho. As empresas que vendem os termos e produzem os links patrocinados (como o Google, por exemplo) conseguem aumentar suas receitas vendendo esse serviço. Elas, portanto, preferem que haja esse tipo de interação entre as empresas no mercado de mídia paga.
Uma consequência dessa proibição é que as empresas continuaram comprando mídia que seria associada à defesa de marca. Por exemplo: se o leitor pesquisar “Itaú”, “Coca-Cola” ou “Cinemark” no Google, verá que o primeiro link que aparece é um link patrocinado que direciona ao site dessas empresas. Isso vai de encontro à ideia do texto, de que esse tipo de gasto seria ineficiente e que a decisão do STJ acabaria com esse tipo de prática. No entanto, existem alguns motivos que levariam uma empresa a manter a defesa da marca.
O primeiro motivo é que simplesmente existem sites maliciosos que perfeitamente poderiam comprar termos associados a empresas com a intenção de aplicar golpes. Por não seguirem a lei, esse tipo de decisão não os afetaria da mesma forma que afeta empresas que concorrem normalmente no mercado. Para minar com esse problema, cabe ao judiciário construir um arcabouço legal que exige dos veículos a criação de processos de validação no momento da compra de mídia.
Um segundo motivo é que, a depender do mercado no qual a empresa está inserida, esse tipo de investimento pode ser feito de maneira inteligente. Em mercados com concorrência intensa e firmas com menor poder de marca, uma estratégia de comprar palavras muito associadas às empresas e atrelar a elas links direcionando a etapas de conversão muito próximas do final pode ser útil. A facilidade para a compra/inscrição gerada por links patrocinados inteligentes é capaz de gerar mais clientes, por evitar fricção no momento da aquisição.
Vale ressaltar que esse tipo de investimento em mídia, a depender da mensuração de sua efetividade, pode apresentar um resultado falsamente inflado. Isso se deve ao fato de que esses links estão associados a uma pesquisa de termos que naturalmente compõem a busca orgânica pela marca em questão. Ora, se alguém pesquisa o nome da empresa no Google e clica no link patrocinado que, por uma mera questão de compra de mídia é o primeiro na lista, essa mídia não trouxe efetivamente ninguém novo ao site. O resultado desse investimento está sendo falsamente atribuído, sendo de fato um “roubo” do tráfego que viria naturalmente, via busca orgânica.
Um jeito eficiente de medir a efetividade desse tipo de investimento é utilizando modelos de Marketing Mix Modelling, que conseguem controlar o efeito dessas mídias usando variáveis externas, como condições climáticas, macroeconômicas e de interesse orgânico. Com esse tipo de modelagem, o incremento de resultado gerado pelas mídias calculado perde esse viés gerado pela busca orgânica e conseguimos medir, efetivamente, o retorno do investimento em mídia.
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